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25 de Março de 2022
“Seria muito importante a elaboração de um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado para o Médio Piracicaba”

Após as chuvas no início do ano, que causaram prejuízos em João Monlevade e cidades da região, A Notícia entrevista o professor Bráulio Magalhães Fonseca (foto), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, ele coordena o projeto de revisão do plano diretor de São Gonçalo do Rio Abaixo. O professor fala de ações preventivas para evitar ou minimizar catástrofes naturais, destaca os trabalhos realizados no município vizinho e afirma que um Plano Diretor Regional Integrado seria fundamental para o desenvolvimento regional. Ele é especialista em planejamento e gestão territorial, plano diretor, de mobilidade e planejamento estratégico para cidades inteligentes e combate aos efeitos de catástrofes naturais climáticas. Confira:

 

Avaliando as inundações com as chuvas de verão deste ano, o que poderia ser feito para evitar os impactos nas cidades do Médio Piracicaba?

É muito importante que a população saiba que, por mais que nós tenhamos acumulado grande conhecimento, recursos e desenvolvido tecnologias, alguns eventos naturais não são passíveis de controle humano. A despeito dos estudos relacionados aos processos de mudanças climáticas e os eventuais efeitos da interação humana na dinâmica climática, ainda não é possível chegarmos ao nível de assertividade com esses modelos, que nos permita afirmar ou mesmo enumerar ações equivocadas que tenham provocado chuvas intensas ou longos períodos de estiagem em escala local.
Mas ações podem ser planejadas para amenizar ou evitar catástrofes. Um bom exemplo é o Planejamento Regional Estratégico que permita integrar os planos diretores municipais. Mas de nada adiantará ter bons planos, embasados por estudos técnicos, se, na prática, ações de fiscalização e de educação de base (Educação Ambiental) não forem implementadas.
Seria muito importante a elaboração de um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) para o Médio Piracicaba, um instrumento que pudesse dialogar com o PDDI da Região Metropolitana de Belo Horizonte e com a Região Metropolitana do Vale do Aço. Algo que estimule mais que o desenvolvimento de arranjos produtivos locais monoindutriais. É preciso integrar a gestão das águas, do saneamento e dos resíduos. Eu diria que qualquer tentativa de fomentar o desenvolvimento sustentável da região deve passar, obrigatoriamente, pela duplicação das rodovias BR-381 de BH a Valadares e MG-434. 

Na prática, o que os municípios precisam fazer?
Ações de educação ambiental são muito importantes. O conteúdo deve ter caráter prático, devem ser abordados temas do cotidiano das pessoas e que implicam diretamente no seu modo de vida. Aqui, estou falando de assuntos tais como saneamento básico, disposição de resíduos, além de assuntos relacionados à infraestrutura verde e azul (vegetação e recursos hídricos).
Mas a principal lição de casa a ser feita pelos municípios é a elaboração ou a revisão de seus Planos Diretores e o Mapeamento Cadastral Urbano ou Cadastro Territorial Multifinatário – CTM.  Esses dois instrumentos de gestão territorial darão ao prefeito e sua esquipe de gestores o retrato atual do município e também um arcabouço ferramental para tomadas de decisões. 
Os municípios esquecem com frequência do princípio constitucional da legalidade e vão fazendo e propondo ações sem a devida conexão com aquilo que está escrito na lei. O Plano Diretor Municipal é uma lei que deve ser respaldada por estudos e pesquisa científica sobre o território, é o Plano Diretor que indica para onde o município deve crescer, como e por quanto tempo. Indica ainda as áreas adequadas para cada atividade que tenha impacto direto no território, além de propor ações concretas e políticas públicas para a qualidade de vida das pessoas. 
Todas as ações e obras que deverão ser feitas para mitigar o efeito das chuvas devem estar asseguradas legalmente e tecnicamente via plano diretor municipal, nos zoneamentos urbano e rural e na lei de uso e ocupação do solo. 

O que os gestores fizeram de errado?
Não estão pensando a médio e longo prazo, na medida em que não elaboram ou não revisam seus planos diretores ou não mapeiam seus territórios. Sem o retrato fiel do território, sem dados cartográficos, sem o mapeamento urbano e rural é impossível prever os impactos ou coordenar ações emergenciais. Também não estão fiscalizando as ações que ocorrem em seus territórios. A princípio, a fiscalização pode parecer até mesmo impopular, aos olhos de alguns gestores. Mas no médio e longo prazo não fiscalizar será como dar “tiros no próprio pé”.
A falta desses instrumentos de gestão territorial e falta de fiscalização têm provocado o parcelamento irregular de terras em áreas rurais e urbanas, o que desencadeia processos devastadores de assoreamento de rios, desmatamento, disposição de esgoto e demais resíduos em rios, uma vez que em parcelamentos irregulares não são observados serviços de coleta de esgoto e abastecimento de água. Acrescenta-se se ainda que a ocupação das planícies fluviais, hoje enquadradas como áreas de preservação permanente pela legislação ambiental, tem ocorrido com frequência ao longo dos anos. Deixar de fazer ou revisar o Plano Diretor e deixar de atualizar o Cadastro Territorial Multifinatário eu vejo como um erro triplo, uma vez que o gestor fica impossibilitado de tomar decisões acertadas com base em dados técnicos, não consegue garantir ao empreendedor segurança jurídico-territorial no processo de atração de investimentos e tão pouco ao cidadão em relação ao uso e ocupação do solo. No caso da falta de mapeamento cadastral, pode ainda estar praticando renúncia fiscal. 
Estamos falando de uma questão de governo ou de sociedade? 
É certamente uma questão de sociedade, que começa na socialização primária, no âmbito familiar e vai até o ensino superior. Temos que entender que somos parte integrante do ambiente, que somos tão naturais e terrestres quanto uma tartaruga do projeto Tamar ou como uma seringueira amazônica. Temos nossas relações ecológicas e econômicas e devemos conciliar as duas vertentes, a ecológica e a econômica. Isso é a base do desenvolvimento sustentável. As pessoas precisam entender que não é mais possível desafiar a dinâmica natural dos rios, o respeito às suas margens e sua manutenção e o devido cuidado com o descarte de resíduos é fundamental.

Como o senhor avalia a situação dos principais municípios da região frente às questões ambientais?
Em relação às questões ambientais relacionadas aos processos de inundações e cheias nem todos os municípios estão na mesma situação. Em São Gonçalo do Rio Abaixo o fator que mais pesa não é a drenagem urbana em um sítio urbano super adensado e com forte índice de impermeabilização do solo. Mas este já seria o cenário que encontramos em João Monlevade. Municípios como SGRA e Santa Maria de Itabira sofrem com as inundações muito mais por uma questão hidrológica relacionada à proximidade do sítio urbano com os rios que pela canalização de drenagens naturais em um processo de intensa urbanização. 

O que São Gonçalo do Rio Abaixo tem feito para lidar com as enchentes? 
São Gonçalo se destaca por um simples motivo: seus gestores, desde 2006, possuem visão de futuro. Nós estamos fazendo a revisão do Plano Diretor municipal em um processo que foi iniciado no final do mandato do ex-prefeito Antônio Carlos (PDT), ao iniciar o mandato do prefeito Nozinho (PDT) a nossa participação foi mantida e ampliada em outras ações de planejamento estratégico para o município. Por muitos anos observamos em vários municípios ações de descontinuidade em relação ao planejamento, o que não aconteceu em São Gonçalo desde que as atividades de mineração foram intensificadas.  É muito importante que, independente de visões político-ideológicas, o planejamento territorial seja mantido de maneira séria, com foco no trabalho, nas pessoas e nas futuras gerações. É isso que São Gonçalo do Rio Abaixo está fazendo. 

O município está em posição de destaque frente aos demais?
Quando se fala em posição de destaque é impossível não comparar com os maiores municípios da região em termos territoriais, populacionais e econômicos. Vejamos o caso de Itabira. Guardadas as devidas proporções de escala territorial, temporal e de recursos, Itabira é um município que já teve representantes na Câmara Federal e na Assembleia Legislativa, tem a extração do minério de ferro em escala industrial desde 1942, esperava-se que em 80 anos de produção mineral o município fosse modelo e exemplo em diversas esferas do planejamento territorial e ambiental e na diversificação econômica. Mas, ao meu ver, não é isso que observamos hoje. A única iniciativa concreta que podemos dizer estratégica e com visão de futuro naquele município foi a instalação do campus da Unifei no final da década passada. É muito pouco para 80 anos de arrecadação com a produção mineral. Pelos poucos anos de exploração da mineração, vejo que SGRA está conseguindo ter boas ações estratégicas e espero que as questões políticas continuem sendo tratadas como aparentemente estão sendo, sem implicar na interrupção de boas práticas de gestão e de novas cadeias produtivas. É fundamental manter o foco na atração de investimentos independentes da produção mineral.

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