Desde 1984
Thiago Silva
30 de Abril de 2021
Pior momento para reabrir escolas
É sempre delicado argumentar quando se é parte no processo. Se para alguns, a autoridade proferida pela vivência conduz ao lugar de fala, para outros a argumentação é fragilizada pelo conflito de interesses. Nesse caso há dois agravantes, primeiramente, o senso comum acredita que apenas médicos podem palpitar sobre combate ao Coronavirus e, em segundo lugar, pertenço à desprestigiada classe de professores. Apesar disto, sentado sobre boletos e notas fiscais relativas aos custos adicionais e aos investimentos em equipamentos e infraestrutura para o trabalho remoto, escrevo com absoluta tranquilade de quem teve a jornada de trabalho intensificada de forma abrupta pela pandemia.

A difusão do vírus, a previsão de demandas, a alocação de recursos, a gestão de estoques, o manuseio e a distribuição de insumos e equipamentos, entre outros tantos aspectos, fazem com que o enfrentamento da pandemia seja, além de uma questão sanitária, um problema logístico complexo. Teríamos muita sorte em ter um especialista em logística cuidando de tudo. Pena que nunca tivemos. Com base em modelagem matemática e simulações computacionais, é possível demonstrar que o isolamento social é uma medida não farmacológica eficiente no combate à pandemia. É possível, também, demonstrar que o afrouxamento precipitado de tais medidas e a falta de ações coordenadas são extremamente prejudiciais ao enfrentamento do problema.

Diversos países enfrentaram a pandemia de forma melhor que o nosso e, sob o objetivo de preservar vidas, seguindo as recomendações da ciência, não é difícil encontrar soluções. O método científico exige que se tenha cautela nas generalizações e que se analise as especificidades da situação antes de extrapolar resultados. Sendo bem específico e chegando ao ponto central do texto: não há por parte da gestão pública estudo sério que permita dizer de forma indiscriminada que as escolas brasileiras, em especial as públicas, são seguras.

Pelo contrário, o que há são estudos que apontam o ambiente escolar como local de grande risco de contaminação, dados estatísticos sobre a péssima infraestrutura das escolas brasileiras, total descontrole governamental no combate à pandemia, campanha ineficiente de vacinação, experiências negativas de abertura de escolas tanto no Brasil quanto em países desenvolvidos e, por tudo isso, alertas de especialistas sobre o potencial de geração de novas variantes com o retorno. Os estudos que apontam a possibilidade de reabertura determinam condições específicas para que isso ocorra.

Contudo, ainda foi aprovado na Câmara Federal o PL 5594/20 que inclui a educação como atividade essencial. A matéria ainda precisa ser aprovada pelo Senado. No contexto da pandemia, essencial é uma atividade imprescindível para a sobrevivência da população que não pode ser, de forma alguma, realizada remotamente. Neste momento, colocar educação como essencial é dizer que reabrir um ambiente com elevado risco de contágio é algo fundamental em um mês em que tivemos dias com mais de 4 mil óbitos no Brasil por Covid-19.

Compreendo perfeitamente o impacto negativo do fechamento de escolas no aprendizado, na socialização e na segurança alimentar das nossas crianças. Mas devemos exigir dos governantes que implementem soluções que não coloquem mais vidas em risco. Não tenho dúvidas que a educação seja, no sentido amplo, atividade essencial. Entretanto, não é isso que está sendo debatido. Se em algum momento da história brasileira a educação tivesse sido prioridade, não estaríamos vivenciando um surto de negacionismo e ignorância.

(*) Thiago Silva é professor, engenheiro e doutor em otimização de sistemas produtivos e logísticos
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