Desde 1984
Marcos Martino
12 de Janeiro de 2024
Vaca Leiteira

Há alguns anos, aliás, décadas, fiz junto com alguns amigos um curso dinâmico com uma profissional muito competente sobre gestão e tendências para o futuro. Isso numa época em que a informática ainda não era tão popular. Ainda estávamos no basic e cobol, para se ter ideia... Entre os integrantes do nosso grupo, estava um irmão dessa consultora, um brilhante artista de BH. Acho que a principal lição que ela queria nos ensinar era uma mensagem direta para o irmão: “o artista precisa de uma vaca leiteira”. 
A lição era a seguinte: a profissão do artista é instável, cheia de altos e baixos. Ou seja, nem sempre é possível contar com uma renda fixa e o artista precisa investir em algo que lhe permita pagar os boletos nas épocas de crises. É um dilema, né? A maioria dos artistas quer viver da própria arte, quer entregar para o mundo o que faz de melhor mas... o mundo nem sempre vai querer comprar o que ele produz. 
Se pensarmos que a obra de Van Gogh foi rejeitada e que só foi valorizada depois de sua morte, dá para imaginarmos o tamanho do problema e do dilema. A arte pode ter uma pós valorização ou pode não dar retorno financeiro algum. Por isso, a importância das leis de incentivo, para viabilizar obras que não têm tanto valor comercial, mas tem relevância artística. 
O que não dá é associar arte à miséria. Aquele pensamento de que o artista tem de ser radical e, se preciso, sacrificar a família e morrer de fome por sua sagrada arte e ofício. Isso só ajuda a alimentar estereótipos negativos dos artistas. Como se fossem criaturas marginais, que não gostam de trabalhar, nem de tomar banho, hippies caducos num mundo a cada dia mais pragmático, sonhadores com terrenos na lua... 
Tem sempre aquele diálogo clichê assombrando o artista, né? Conversas do tipo:
- O que você faz? 
- Sou artista! 
- Não, estou falando de trabalho. Em que você trabalha?
Claro que isso chateia o artista demais e joga por terra o desejo de se dedicar ao trabalho criativo e do desenvolvimento intelectual. Muitos talentosos abandonam sua vocação porque não conseguem sobreviver de sua arte. Por isso, volto à vaca leiteira que a consultora falou.
Se o artista conseguir desenvolver algo paralelo, quem sabe vender algum serviço, ou buscar um emprego que lhe garanta uma renda certa, terá mais tranquilidade pra fazer a sua arte, sem ter de fazer concessões comerciais, sem ter de banalizar seu ofício criativo para atender às demandas do mercado.
Só para ficar em dois exemplos: Carlos Drummond de Andrade e João Guimarães Rosa. O primeiro foi funcionário público, que trabalhou a vida inteira como um burocrata do governo, mas é o maior poeta do Brasil. O segundo era médico e diplomata. Eles não ganhavam seu sustento apenas com a arte maravilhosa que faziam, mas das profissões que exerciam no dia a dia. 
Por isso, meu amigo artista. Se você tem uma “vaca leiteira”, agradeça a Deus e cuide muito bem dela. Ela é que vai garantir o leitinho nas horas mais difíceis...

 

(*) Marcos Martino é alvinopolense, ativista cultural e compositor

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