Desde 1984
Rosângela Maluf
27 de Outubro de 2023
Ah, Clara!

A alegria de ser mãe não tirava de Clara a insatisfação pelas noites mal-dormidas, o choro das madrugadas, o peito dolorido e a impaciência para retornar ao trabalho.
Clara só queria de volta sua vida normal.
A bebezinha, aos três meses, dava um trabalho inacreditável. Inimaginável. Absurdo. Por mais que ela tivesse ouvido comentários e experiência das amigas, a Maria dava muito trabalho! Chorava muito, reclamava muito, de tudo…tanto que Clara não sabia mais o que fazer.
Ela contava com uma diarista que se ocupava de todo o trabalho da casa, todo mesmo, inclusive ajudando-a em tudo que fosse possível ajudar com a Maria. Uma faxineira uma vez por semana e tentava uma enfermeira que pudesse dormir com a bebê, pra que ela pudesse também dormir.
Na história, havia um marido. O Cássio era um ótimo sujeito. Levava jeito para ser um ótimo pai, mas havia um problema que afetava demais a jovem mamãe. O Cássio reservara os sábados para o futebol com os amigos e depois do jogo, todos no Bar do Onofre onde bebiam e riam e gargalhavam até não poder mais.
Todo sábado era a mesma história.
Ele dormia bem, levantava-se de ótimo humor. Juntos tomavam o café da manhã, depois ele trocava de roupa – colocando a camisa do Galo – beijava a jovem mamãe que mais parecia um fantasma – e lá ia todo faceiro se encontrar com os amigos, jogar futebol, almoçar todos juntos, se encharcar de cerveja e chegar em casa já quase de noitinha.
Na história, ainda há uma outra mamãe. Uma mulher que não se cuida mais. Se olha no espelho e tem vontade de chorar: cabelo preso, muito feio, olheiras, testa franzida, um bocejar frequente e um sentimento de tristeza + solidão + total abandono + vontade de falar umas verdades pro Cássio.
Por mais que ela desejasse entender o lado dele, fazia um drama por qualquer motivo. Andava chorona demais, chata e reclamona, como o próprio Cássio já dissera mais de uma vez.
Naquele sábado, ele chegou muito feliz da vida. Seu time ganhara a partida, nos pênaltis. E quem havia marcado o primeiro gol? Ele. Comemoraram tanto que ele só queria um banho e depois dormir.
Tudo que Clara pensara dizer pro marido não foi dito.
Quando viu o estado do atleta ela achou melhor deixar que ele dormisse mesmo que ainda fosse cedo demais. Banho e cama – só pra ele!
Teve uma ideia brilhante. Ela tira a carteira dele e diz que, bêbado, não viu que estava sendo roubada.
O marido fica louco, volta ao campo pergunta aos amigos... nada.
O cara desorienta, faz as contas de todos os documentos que terá que refazer.
Passam-se três dias…3ª feira, ela se arrepende
Vai na vizinha e pede que ele encontre a carteira jogada no mato que cresce junto ao seu muro.
Ele fica louco…agradece.
E promete à mulher que não mais irá jogar futebol
Hoje, ela continua do mesmo jeito…ele optou pelo ciclismo e passa o sábado com a Tininha, a bike!

(*) Rosângela Maluf é monlevadense, professora universitária e escritora

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