Desde 1984
Alfredo dos Santos
20 de Outubro de 2023
Mundo além do carro

Em 30 de junho de 1950, os Estúdios Disney já eram os mais aclamados produtores de desenhos animados nos Estados Unidos.  Tendo já encantado milhões de espectadores com os hoje clássicos: Cinderela, também de 1950 e Branca de Neve e os Sete Anões, de 1938. Tempos em que, mesmo o mundo sendo complicado, ainda assim era mais simples que hoje. 
A Branca de Neve era branca, a Fada Madrinha era mulher e isso não gerava problema algum (por de fato não ser) até porque, a magia das telas era para diluir outras agruras da vida de um mundo mergulhado em guerra e pós-guerra. 
Nesse referido ano, após meses a fio de trabalho, o diretor Jack Kinney, lança a obra-prima cult e profética 'Motor Mania'. Estrelado pelo simpático Pateta, o curta de 7 minutos mostra um dia na rotina do pacato cidadão Mr. Walter (pedestre) por assim dizer. Muito polido, fino e educado, ele mostra-se incapaz de matar uma formiga. 'Politicamente correto', mas que, quando está ao volante, se transforma no asqueroso Mr. Weeler.
Esse, por sua vez, violento agressivo e descumpridor das regras de trânsito. Aqui vale uma curiosidade sobre o curta: foi a primeira modificação nos traços do Pateta, tudo para que desse vida ao facínora e suas peripécias. Uma vez interpelado por outro motorista por achar-se dono da rua, ouvíamos em resposta: Sim sou dono da rua e da avenida. 
Seria cômico se não fosse trágico (aliás é cômico sim, pois nenhuma reflexão mais profunda carece ser carrancuda). Essa obra que já podemos tratar como de terceira idade, 73 anos, é atualíssima. A reflexão sobre sua mensagem é poderosa, ao passo que nos mostra a tensão e turbilhão de uma sociedade impactada, subjugada e refém das tecnologias, que pervertidas no seu uso também têm seu meio e objetivos prejudicados e deturpados.
Essa maligna simbiose das personas controversas transferindo para seus veículos seus sentimentos de poder e superioridade, sem falar no anonimato e certeza da impunidade, precisa ser falado, discutido visto e revisto. É com pesar que, andando pelas ruas de João Monlevade, identifico centenas de “Sr's e Sra's Weeler”.
 Finamente trajados ou não, em carros do ano ou não, muito polidos e educados (para os que gostam deles, concordam com eles, torcem para o mesmo time deles, podem dar ou tirar deles alguma coisa...) são incapazes de matar uma formiga, politicamente corretos, que de cenho franzido e dedo em riste, vociferam nas redes sociais suas opiniões sobre 'um tudo': política, religião, massacre de índios, efeito estufa etc...  Mas que, quando estão ao volante....eeeeitaaa! Tomam nas mãos seus celulares empinam o nariz  e resumem seus mundos aos seus carros e necessidades. Nada mais existe além disso.Param (se quiserem) nas faixas de pedestres, se não usarem muletas ou estiverem com uma plaquinha escrita 'idoso”, os demais correm sério risco de morrer. Hora do rush? Pandemônio, buzinaço, show de falta de educação e desrespeito às regras de trânsito. 
De 1950 pra cá, houve um agravante: o comportamento disfuncional dos pedestres que, em sintonia com o motorista ( ou caricatura de um) só pensam em si. Enfim, acredito que trânsito é bem mais do que infraestrutura. Pode-se construir túneis, viadutos e pavimento de primeiro mundo (até porque nossos pesados impostos são para coisas assim, outra coisa: ser pagador de imposto é mais um agravante no comportamento errático de muitos).
 Capitais como São Paulo, já reduziram limites de velocidade, mas nada disso vale sem a educação. Não apenas a acadêmica, mas aquela que vem do papai e da mamãe, se não for posta em prática, se o assunto for só pensado na Semana Nacional de Trânsito e se os órgãos competentes funcionarem somente com faro de multa, de nada vai adiantar. Mr Weeler que se cuide. Hoje em dia, ele seria esmagado nas avenidas Wilson Alvarenga ou Getúlio Vargas.

 

(*) Alfredo dos Santos é monlevadense e artesão

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