Desde 1984
Marcos Martino
09 de Junho de 2023
Desimportâncias

Um pouco de autoestima é importante, mas quem se acha não se encontra. Sabe aquela pessoa gente fina, que cumprimentava todo mundo e vivia sorrindo? Já era! Virou chefe. Sente-se especial, olha todo mundo de cima, recolhe as cordas para que ninguém suba e fecha a porta por dentro, para que ninguém entre. Aquela pessoa boazinha e generosa vira vilã, se perverte.
Ah, mas tem chefes gente boa também. Tem! Mas os egos ficam inflados com pouco vento. E depois vem a defesa do território. Ninguém deve brilhar mais que o chefe. Se começar a brilhar demais, dá-se um jeito de eclipsar o brilho. Claro, tem as exceções. Há lideranças benignas, justas. Mas os tempos são bicudos. Há um tempo, havia uma frase sempre dita, que as pessoas gostavam de repetir: 'gentileza, gera gentileza'. 
Mas esse tempo passou. Não sei se foi a internet, mas tivemos um retrocesso forte, voltamos à Idade Média em plena idade pós-moderna. Vivemos uma época de elogio à ignorância. Quanto mais ignorante melhor. É apreciado resolver as coisas no grito, na porrada ou no tiro. Isso empodera os autoritários. E ter autoridade é algo almejado nesse novo mundo 'macho', esse mundo rude, onde a sensibilidade é quase proibitiva. Pessoas frágeis e sensíveis não tem lugar nesse mundo bruto.
E, de repente, o racismo virou fashion. Virou modinha. Que loucura é essa? Mesmo com campanhas contra, países inteiros se acham no direito de exercer o ódio racial, como se fosse normal. Há quem defenda a 'liberdade' de injuriar e até de agredir. Uma raça se considera superior a outra por causa da cor da pele. E tudo por causa da pólvora. 
Para completar, terceirizamos e memória com o big data que detém todo o conhecimento do mundo e agora nos preparamos para terceirizar o raciocínio. Vamos ingressar numa idiocracia sem tamanho, provavelmente, sob a liderança de máquinas. Ah Martino, mas você é muito pessimista! Véi, nem sei se pessimismo é a palavra. É incrível como as pessoas se lambuzam nas tecnologias e se jactam de serem modernas, antenadas, futuristas.
Quando comecei esse texto, pensava na nossa desimportância enquanto humanos nesse planetinha poeira cósmica, diminuto ponto azul num universo infinito... E nós, em nossa fragilidade, vivemos em média 80 anos, um respiro no calendário cósmico e ainda acharmos que estamos com tudo e que tudo gira em torno de nós. 
Poluímos a água que bebemos e o ar que respiramos. Você, meu amigo 'superior', do alto de sua 'otoridade' olha seu semelhante com desdém, trata-o como sub-humano, mas está prestes a se tornar uma criatura ornamental, como os gatos e cachorros de apartamento ou como os cavalos, que já foram mega importantes como meios de transporte e que hoje são quase desnecessários. 
As celebridades, essas criaturas canonizadas pela mídia, santos batizados com dinheiro e luxúria, vivem no Olympo e nós, os mortais, os alimentamos com dinheiro e afeição. Santa desimportância, Batman! 
Nos igualaremos no cemitério. Alguns terão túmulos de ébano ou granito carrara. Mas debaixo da terra, os mesmos ossinhos brancos. Como disse o poeta Gato Jair na música Museu do Mundo, 'há tantas coisas feitas para serem abandonadas'. Mas ainda assim nos apegamos à matéria densa, à grana e jóias que podemos até levar para os sarcófagos, como fizeram os egípcios há milênios, mas de nada nos servirão no porvir. 
E você se acha melhor que todo mundo, dono absoluto da razão, com direito hierárquico de pisar nos outros como se fossem lacaios? Quanta arrogância, meu Deus! Ainda bem que sou um desimportante assumido e consciente (importante mesmo é o Cruzeiro não cair).

 

 

(*) Marcos Martino é alvinopolense, ativista cultural e compositor

JORNAL IMPRESSO
AS MAIS LIDAS
TWITTER - PRF191MG