Desde 1984
Wir Caetano
06 de Abril de 2023
Fotografar um segredo

Há alguns anos, escrevi um artigo intitulado 'A Cidade Existe, e Eu Acredito Nisso', publicado no 'A Notícia' e com boa repercussão nas redes sociais. Nesse texto, falei do ocultamento do bairro monlevadense Pedreira na história e na geografia da cidade a ponto de haver gente que, mesmo sem ter 'nascido ontem', parece nem acreditar que essa parte de Monlevade, orla periférica do núcleo originário de nossa vila operária, existe. Mas existe sim. Pedreira, majoritariamente negro, é um segredo. 
Foi o que pensei quando decidi abordar em um ensaio fotográfico esse meu bairro natal, à margem dos circuitos hegemônicos do município. Mas como fotografar um segredo? O que um registro documental revela de um segredo? E um relato ficcional revela o quê? Quem já tem respostas para todas as perguntas não está preparado para um segredo. 
Recorri ao olho da minha Canon, lentes sobre um detalhe aqui, outro ali: roupa no varal, lagarta, tijolos à beira de um lote. Em preto e branco, sem as decorações da cor. Segredo que é segredo persiste. Daí, abri cada imagem na tela do meu computador, e a lente do meu celular as capturou ali. Duas camadas de escavação podem não chegar ao fundo de um segredo. Insisti mais com um aplicativo que simula câmeras de infravermelho, a teatralizar uma caminhada para além do domínio do olho humano, da luz branca. 
Sim, teatralizar, porque, como disse o poeta Waly Salomão, 'sou barroco, sei que o mundo é um teatro'. A palavra 'teatro' me leva à minha infância, ao teatro de sombras que a paróquia São José Operário realizava na Semana Santa no largo da igreja a poucos quilômetros do bairro Pedreira. O bairro das casas a poucos metros da pedreira de onde as dinamites às vezes jogavam pedras nos telhados, para pesadelo dos viventes. 
O bairro que uma tempestade isolou nos anos 1960 ao produzir uma enorme cratera em um dos principais acessos. E muitas tempestades voltariam a isolar mais tarde. Pedreira onde se pode chegar por uma via estreita perto da Fazenda Solar Monlevade. Uma via 'lunar', quase oculta. É preciso chegar perto para ver. É preciso chegar perto de um segredo. E um segredo de verdade nunca se revela por inteiro. É preciso chegar mais e mais, muitas vezes. 
Foi assim que cheguei a 'Zona Íntima', o ensaio fotográfico que esteve no Centro Educacional de João Monlevade em 2021 dentro da programação do Festival Pedro Alcântara, da Fundação Casa de Cultura; na Câmara de Vereadores em 2022; no Cras Dona Preta no início deste ano e estará na galeria de arte da Assembleia Legislativa de Minas Gerais no segundo semestre. É preciso chegar perto desse patrimônio periférico muitas e muitas vezes. Resvalar o segredo.

 

 

(*) Wir Caetano é jornalista, fotógrafo e letrista de música

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