Desde 1984
Elias Lourenço
10 de Fevereiro de 2023
Sônias daqui e do Brasil

Sônia, o batente terminou. Agora, é hora de cultivar rosas na frente do lar, de contemplar as constelações, de ver a lua como uma namoradeira debruçada na janela. Vá descansar, minha amiga. Seu corpo dá sinais de que não aguenta mais subir e descer ladeira, varrer, lavar, cozinhar, descascar, picar, servir merendas para inúmeros alunos, que com olhares de ternuras te chamam de tia: é agradável aos ouvidos. No entanto, você sente dores nas articulações e precisa parar...
Sônia, não sei qual é seu hobby preferido! Mas, com certeza, não é sair de madrugada para trabalhar de segunda a sexta e receber salário-mínimo com descontos. Logo em seguida, sair de férias e não as receber como manda a lei trabalhista. Férias não: é ioiô que vai e vem. Quando a carteira é assinada, é um mês de descanso e pronto. Nada de ser pela metade ou para fazer de conta. Sobretudo, perde-se o direito caso esbraveje, sem alarde. 
Sem alarde, te tiram a razão, a dignidade de anos e anos trabalhados para os alunos. Esses que agora são pais e mães de outros alunos que repetem os mesmos gestos com os olhares cheios de ternuras. Porém, outros nem sabem seu nome! Por coincidência são filhos e filhas dos que também foram alunos no passado e que não sabiam certos modos de educação. É fato: alguns gestos vêm do berço! 
Você e suas amigas de lida que não aguentam mais o peso do tacho, das pilhas sujas de pratos, do pátio empoeirado e até a gritaria na hora do recreio. Sônia terminou! Favor entregar o documento de aposentadoria na diretoria. Com a sensação de dever cumprido.  Vá tomar banho de mar, mas não dê bobeira. Você é mineira, acostumada ao asfalto que se torna rios em época de chuvarada. Dentre muitas causas, uma delas é o lixo que entopem os bueiros. A prosa está ficando longa igual discurso de políticos safados que tiram da merenda escolar para usar rolex, beber whisky e falar de modo que o povo acredite no que dizem. Só promessas!     
Sônia, vá ser feliz à sua maneira. A aposentadoria é pouca. Mas o pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada, como ensina o dito popular. Para ser sincero, nós brasileiros somos tão acostumados com o pouco que o muito nos dá medo!
Sônia, o batente acabou! Mas quando vier a chuvarada de madrugada, meio sonolenta, você lembrará de quando acordava para descer a ladeira. Até que para descer todo santo ajuda. Para subi-la que era dureza!  Nessa hora, você vai se esconder debaixo das cobertas, mas sentindo um pesar pelas amigas que continuam na lida, no peso do tacho, com as dores no antebraço. Mas logo você vai pegar no sono de novo e depois de algumas horas dormidas um feixe de luz entrará pela janela entreaberta.  Você vai acordar vagarosamente, sem o despertador  das 4h30.  É isso. Sônia, vá viver, o batente acabou.  
Imagino quantas Sônias existem Brasil afora, que passam a vida dedicada a servir. Anônimas guerreiras, heroínas sem capa e com dores no corpo, mas que não perdem a ternura ao trabalhar. Um salve a essas mulheres.    

 

(*) Elias Lourenço é monlevadense e funcionário público

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