Desde 1984
Elias Lourenço
06 de Janeiro de 2023
No velório

Venho dizer aos amigos que, sem motivo aparente, ando pensando na dama fria do silêncio. Andei pensando na morte e nos seus rituais que, se pararmos para pensar, não são tão tristes assim... Desde que não seja a nossa, é claro! 
Vejamos o velório. A cerimônia do adeus é repleta de comentários, quase sempre, tão geniais, que nem Ghandi, Einstein ou os filósofos da Grécia Antiga, ousariam cogitar nos seus feitos históricos: “tadinha parece estar dormindo!” O outro responde: “é, basta estarmos vivos para morrermos”.  Mais à frente, duas senhoras conversam baixinho: “não somos nada nesse mundo. Ontem, estava viva, hoje, está morta”. 
Perto do jardim, duas adolescentes cochicham: a defunta parece estar mais gorda! Será que foram os remédios?”. Uma idosa que passava perto delas interrompe a conversa e pergunta: “a falecida morreu de doença ruim?” Uma das adolescentes responde: “é aquela doença que não se pode falar o nome. A idosa grita, em seguida, se contém e diz: “que Nossa Senhora Aparecida e que Deus lhe dê um bom lugar, de preferência, perto da Virgem Maria”. Logo em seguida, assoa o nariz no lenço, que tira da velha bolsa e sai mancando em direção à lanchonete.
 Perto do caixão, um marido traído insiste: “minha esposa era uma santa!”. Um maldoso ouve e comenta com seu amigo ao lado: “depois que morremos, todos viramos santos”. Meio que sem ouvir, o amigo resmunga: “a defunta está tão linda, pena que morreu sem termos a chance de ficarmos!”. O amigo ao seu lado pergunta: “o que disse?” . “Nada não, deixa pra lá”... 
E por aí vão-se aqueles zumbidos de pessoas aparentemente tristes conversando ao mesmo tempo nesse carnaval de hipocrisia que se chama velório. Pior que é só o começo. 
E o enterro? Quase sempre, o cortejo tem alguns carros enfileirados e um ônibus caindo aos pedaços. No letreiro, escrito “especial”. Ironia pura... O motorista, visivelmente cansado e, até muitas vezes, alheio ao sofrimento dos familiares... Entre um bocejo e outro, num cochilo, num abaixar e levantar de cabeça, olhando para o relógio, dirige lentamente para o cemitério.
Chegando à última morada, como se não bastasse, aquele que menos deu valor para a falecida, agora quer ir junto com ela. Chora alto, soluça... “Me leva junto”... O motorista, agoniado, olha pela milésima vez o relógio e pensa: “São quase 18h vou perder o jogo do Galo contra o Cruzeiro”. Mas  ainda falta o discurso, o Pai Nosso, o Salmo 23 e 91, o bater das correntes... o último adeus... Só lamento!  Defunto não protesta. Por isso, de antemão, humildemente imploro: quero ser cremado!

 

(*) Elias Lourenço é monlevadense e funcionário público

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