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Hortência Carvalho
29 de Agosto de 2022
A polêmica do voto impresso no Brasil

Muito se questiona o porquê da urna eletrônica brasileira não imprimir o voto do eleitor. O processo funcionaria da seguinte forma: o eleitor digita o número do (a) candidato (a) e, ao concluir a votação, a urna eletrônica imprimiria os votos registrados em um papel. Depois de visualizado pelo eleitor, esse cairia automaticamente num compartimento acoplado ao módulo impressor da urna. A ideia seria, ao final da votação, poder conferir se os votos registrados eletronicamente coincidem com os impressos, valendo-se como prova para posterior conferência no caso de eventual pedido de recontagem.

Para os que defendem o voto impresso, sua vantagem seria a transparência do sistema eleitoral e a possibilidade de se averiguar posteriormente se as urnas computaram corretamente o voto nelas registado. Já para os que não aprovam a ideia, seria um retrocesso no processo eleitoral brasileiro, abrindo-se possibilidades de fraudar o voto eletrônico, diante do manuseio de papeis por pessoas num momento de recontagem. Um voto impresso sumido na hora da recontagem por erro humano, seja ele de boa ou de má fé, colocaria em dúvida a credibilidade de todo o sistema eleitoral brasileiro. Voltaríamos aos mesmos conflitos comuns aos tempos idos do voto em cédulas de papel.

Já se tentou a implantação do voto impresso no Brasil por três vezes nesses 26 anos de voto eletrônico. Porém, todas elas não prosperaram. A primeira foi em 2002, quando o voto impresso foi implementado em 150 cidades brasileiras, sendo que João Monlevade foi uma delas. A experiência demonstrou inconvenientes. Teve votação que se encerrou pela madrugada, com longas filas durante o dia, em muitas houve problemas no módulo impressor, levando ao voto em cédulas de papel. Também vários foram os episódios de quebra do sigilo do voto, no momento da manutenção técnica do aparelho impressor. 

Demonstrados os resultados falhos do sistema impresso, o Congresso Nacional revogou a lei que obrigava a impressão do voto para eleições futuras. Em 2009, houve aprovação de nova lei pelo Congresso do voto impresso, que valeria a partir de 2014. A lei foi julgada inconstitucional pelo STF por violar o sigilo do voto. Em 2019 foi proposta a PEC nº 135, em mais uma tentativa, agora por meio de emenda constitucional. Porém, a proposta foi rejeitada na Câmara dos Deputados. Se o voto impresso agrega mais credibilidade ao processo eletrônico, por outro lado, ele dá margem para a judicialização do processo eleitoral. Isto porque, o candidato que perdeu a eleição certamente iria recorrer à Justiça requerendo a recontagem dos votos, de maneira a postergar o resultado final das urnas em infindáveis demandas judiciais.

Falhas na impressão e incidentes no manuseio dos papéis poderiam gerar dúvidas no resultado das urnas, nesta perspectiva mais seguro com o voto digital, sem intervenção humana. O fato é que está nas mãos do Congresso Nacional a aprovação do voto impresso, que precisa ser aprovado por Emenda Constitucional, e não por lei, para ser adotado. O debate político sobre o tema é extenso, com vários prós e contras. 

Ainda que esta emenda um dia seja aprovada pelo legislativo, sua implementação deve ser gradual e por amostragem, como assim foi com a urna eletrônica e com a biometria. Uniformizar o procedimento em 100% das urnas em uma só vez causaria vários transtornos ao processo eleitoral. A implantação gradativa daria possiblidades de se conhecer as falhas e saná-las a cada pleito, aprimorando o processo até que a otimização viabilizasse sua implantação geral.

Mas, se compete ao legislativo aprová-la, não há razão para se atribuir à Justiça Eleitoral a responsabilidade direta pela negativa do voto impresso. O que se fez, até o momento, foi demonstrar os inconvenientes trazidos pela experiência de 2002, mas a decisão final estará sempre nas mãos dos parlamentares.

 

(*) Hortência Carvalho é chefe do Cartório Eleitoral. Instagram: @hortenciacarvalho2009

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