Desde 1984
Alexsandra Mara Felipe Fernandes
21 de Janeiro de 2022
Sobre a enchente do Santa Cruz

Que enchente foi essa que veio tão devagar sem sequer deixar que pensássemos que as águas entrariam tão altas? Águas que deixaram choro, que nos deixaram com a indignação, o susto. Águas que sujaram a clareza dos sonhos naturais do começo de ano, deixando-nos sem chão, sem pertences, sem nossas lembranças em fotos antigas, sem documentos importantes, sem saber como recomeçar e o porquê de tudo aquilo. Águas que nos deixaram sem palavras. E, diante de todos os bens perdidos, tudo molhado, a boca seca! E seca, secou nosso coração, por horas. 

Mas levantando a cabeça, descobrimos que uma coisa a água barrenta não levou e não sujou ou destruiu: a vida. Estamos vivos e somos sobreviventes de uma tragédia da natureza. Sobrevivemos e agora? Há quem diga que somos culpados de todas nossas perdas materiais. Sim, há os que conseguem apontar dedos nessa hora, para os moradores do bairro Santa Cruz, e os condenam por serem os culpados de terem perdido tudo, porque todos nós negamos sair das nossas casas.

 Primeiro que, acho desumano culpar pessoas sem saber qual o processo que nos leva a suspender móveis. Segundo que não nos negamos a sair e, sim, apenas pegamos os paletes doados antes da água começar a encher e usamos para o fim que nos foi de destino. E, como fazemos em todas as enchentes, subimos os móveis bem alto e saímos para o abrigo na escola ou na casa de alguém querido. 

Deduzo pelo apoio que nos foi oferecido pela Prefeitura, que eles também não imaginavam que chegaria a tanto. Vejo que tudo foi algo que fugiu a todos nós, sem termos a necessidade de sair culpando alguém, pois estavam lá, incansáveis desde o começo. Nos ofereceram caminhão, abrigo, disso ninguém pode negar. Mas também é covardia a quem quer que seja , colocar a culpa nos moradores. Não aceito! Toda enchente (exceto a última que o governo anterior sumiu com os caminhões) as pessoas tiram o básico dos móveis para ir para uma escola e subimos o restante dos pertences, porque a água nunca ultrapassava um pouco acima do joelho. Ninguém aqui imaginava que a água chegaria tanto. 

Ninguém aqui queria perder móveis, perder bens conquistados com suor e até lágrimas. Ninguém imaginou isso. E, acredito sim, que a Prefeitura também não imaginava tanta água. Devastadora enchente... Estamos com a alma doendo, tristes. Tenham mais empatia!

 Alguns que nos acusam, não imaginam a tristeza disso aqui. Pedimos um pouco mais de organização ao distribuir as doações em respeito ao povo que está cansado de sofrer. Pedimos que nos indenizem para que possamos recomeçar de forma digna. Povo, acorde e aprenda: Se querem culpar? Então vamos lá: Não culpem vítimas, culpem governos atrás de governos que não drenaram o rio, que não desentupiam bueiros. Culpem a Arcelor que deveria ajudar a Prefeitura a fazer o desassoreamento do rio, porque a prefeitura sozinha não dá conta por ser caríssimo. Fácil culpar a minoria sofrida né? Fácil fazer comentários disfarçados de solidariedade. A maioria não tem ideia do que é uma enchente vir e nos rasgar inteiros por dentro para nos culpar. Como diz meu amigo Fabiano Lobot: pra cima de moi? 

Perdemos tudo, sabem o que é isso? E não... não foi culpa nossa. Foi por todas as providências de anos e anos de limpar o rio não ser a prioridade. A culpa não é das vítimas. Nunca é. Mais empatia! Agradecemos a todos os que nos deram apoio. 

Empatia João Monlevade ... O rio entrou para nos dar um recado, veio, deu-nos uma lição e foi embora. E se o povo não aprender, continuando a não cuidar da natureza, ele volta. 

Mas, também, se o governo e as empresas que enriquecem da nossa cidade, dos nossos recursos não aprenderem e entenderem que a vida das pessoas é importante e se unirem para essa urgência, o rio voltará. Sabemos que essas pessoas estarão seguras nas suas casas, mas agora chega! Não queremos kits para limpar nossas casas, porque isso é pouco. Queremos que o rio tenha para onde ir. E, se pra isso, tivermos que buscar TV, rádios, jornais, faremos. Obrigada Deus por estarmos todos vivos para lutar. Era uma vez a enchente de 2022 que levou móveis e trouxe força e RE-NO-VA-ÇÃO.


(*) Alexsandra Mara Felipe Fernandes é presidente da Associação Afrodescendentes de João Monlevade (AMAD) e moradora do bairro Santa Cruz

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