Desde 1984
Wir Caetano
09 de Abril de 2021
OcupaTudo

Já me manifestei algumas vezes sobre a falta de maior entrosamento de trabalhadores e trabalhadoras da cultura de João Monlevade com as cenas culturais de outras cidades. Essa questão está intimamente ligada a outra: a baixa participação local em editais de fomento, esses instrumentos que viabilizam captação de recursos para produção de arte, artesanato e afins. 

Para dar só um exemplo, podemos citar o 1º Festival 7 Faces Multicultural, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc pelo Grupo Carla Lisboa, daqui da cidade, com abrangência estadual. O número de inscrições chegou a 240, das quais 152 foram válidas por estarem plenamente de acordo com as exigências do edital.

Na programação, houve apenas um evento de João Monlevade, meu painel audiovisual “20 minutos de FAMA: da melodia à letra”, ainda que os realizadores desejassem uma presença monlevadense maior. O número de propostas locais inscritas foi de apenas quatro, sendo uma delas invalidada por não cumprir todas as etapas exigidas.

Sem uma pesquisa de campo, é difícil avaliar em que amplitude a classe artística do município tomou conhecimento da convocatória do 7 Faces, mas a baixa participação não surpreende quando se avaliam outros editais, sejam da região, do estado ou em âmbito nacional. 

Esse é um cenário que precisa ser mudado. Seja ou não boa a circulação de informações sobre editais de fomento cultural por aqui, o hábito de pesquisar no mundo digital, nas redes sociais e para além delas, é muito bom. Aprender de fato a navegar na Internet para se informar, em vez de simplesmente naufragar em suas bolhas, é mais do que importante. 

Mas nem tudo começa ou termina em editais. A atualização de repertórios criativos, por meio da participação em oficinas e outras ações formativas, cuja oferta em formato online e em modalidade gratuita cresceu significativamente nesses tempos de isolamento social em razão da Covid-19, precisa entrar na lista de tarefas inadiáveis. O simples contato com vivências diferentes e linguagens diversas é uma experiência que contribui para alimentar novas poéticas.

O narcisismo de lugar – como gosto de chamar o discurso de valorização das “belezas da cidade” que se limita a enamorar-se pelo próprio umbigo – é improdutivo. Como diz a canção “Lágrimas Negras”, de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, “belezas são coisas acesas por dentro”. As coisas de dentro devem estar acesas para permitir ver outros territórios por onde transitar.

Necessário ocupar espaços. Necessário estar onde os povos estão, os nossos e os outros. Necessário não se contentar com os círculos habituais nem com as tradições cristalizadas.

Talvez a imprensa local possa contribuir garimpando informações sobre editais de fomento Brasil afora, prática que instituições como a Fundação Casa de Cultura também podem adotar de forma permanente. Talvez trabalhadores e trabalhadoras da cultura possam usar ferramentas como o WhatsApp para fazer circular entre seus pares boas referências sobre oportunidades que surgem.

Talvez, talvez, talvez. Os “talvezes” podem ser muitos, mas todos se cruzam em um objetivo: consolidar uma cena cultural na cidade e marcar presença em outras cenas. Não descuidem desta hashtag: #OcupaTudo.


(*) Wir Caetano é jornalista, escritor, fotógrafo e letrista de música

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