Silvan Domingues
15 de Janeiro de 2021Voto é moeda de troca
Generalizando, o voto, na conformação atual, nada mais é que uma moeda de troca. Isso precisa mudar.
Agora mesmo, por exemplo, existe, muito claramente, uma diferença importante entre a perspectiva da população em geral, de um lado, e a perspectiva, de outro, da classe política.
Neste momento, a população não está preocupada com eleições. Isso não está mais no seu horizonte de sentido. As eleições já passaram e outra vai demorar um pouco a acontecer. Nesse sentido, concentram suas atenções para o momento presente. Estão preocupadas com a vacina, com a pandemia, com o emprego ou falta dele, com as contas no final do mês, com o atendimento de suas demandas, etc.
Mas, os políticos não. Eles antecipam e já vivenciam agora as próximas eleições. Já alinham e executam suas estratégias pensando, como prioridade, não a solução das demandas sociais do tempo presente, mas aquilo que lhe permitirá uma situação favorável nas próximas disputas eleitorais.
E aí reside essa realidade um tanto perversa: o voto como um objeto de barganha. A ação do agente político não tem como foco aquilo que irá, de fato, melhorar a vida da sociedade como um todo. Pode até acontecer de que algo produzido pelos atores políticos seja, realmente, o melhor para a sociedade naquele momento, mas este não é o foco. O foco é fazer agora aquilo que trará uma perspectiva maior de votos lá na frente.
E o eleitor, por sua vez, como regra, também não se preocupa com a sociedade, mas com aquilo que lhe trará maior benefício pessoalmente. O voto acaba sendo uma manifestação de esperança naquilo que será individualmente melhor, e não socialmente melhor.
É claro, como bem destacado na primeira palavra deste texto, estou “generalizando”. Eu mesmo conheço, pessoalmente, agentes políticos e votante que são diferentes nesse ponto, mas eles estão longe de serem maioria.
Prevalece, infelizmente, a referência da Doutora Eduarda La Rocque no sentido de que “negociar (em benefício próprio) é a palavra de ordem da democracia, que troca a lei do mais forte pela do mais esperto, onde os ajustes e os conchavos democráticos são a forma de diálogo, antes de tudo entre o público e o privado, mas que envolvem a sociedade em geral. Ajustes e conchavos, um mercado de votos, os eleitores, passivos, esperando quem faz a oferta que melhor atende aos seus interesses particulares”.
Destaco as palavras da Doutora: mercado de votos em que o eleitor espera a oferta que melhor atende aos seus interesses particulares.
Apenas apontar o dedo para a classe política e criticá-la diuturnamente não será solução para absolutamente nada. É necessário fazer uma mea-culpa. Nenhum político ocupa cargo eletivo sem voto. Eles e elas foram uma escolha de nós votantes.
E a visão empobrecida e limitada de direita versus esquerda, de polarizações, em nada contribui para que tenhamos um porvir mais auspicioso, pois, entre outras coisas, fortalece a divisão, quando precisamos de unidade.
Aliás, precisamos mesmo compreender urgentemente que estamos no mesmo barco e que esse barco é de todos nós. Temos todos que cuidar dele para todos, a par das eventuais diferenças. Coisa pública não é algo alheio e o voto precisa ser mais que uma moeda. Que sejamos então cidadãos, muito além de meros eleitores.
(*) SILVAN PELÁGIO Domingues é advogado especialista em Direito Público e Eleitoral