Desde 1984
Breno Eustáquio
28 de Agosto de 2020
Comunicação violenta

Você já parou para pensar que a forma como você se comunica com alguém pode soar agressiva? Que ao invés de passar uma mensagem, comunicar uma necessidade ou pedir ajuda, você pode estar agredindo as pessoas a sua volta? Isso é o que chamo de “Comunicação Violenta”, que sempre existiu nas nossas relações, mas que agora ganha contornos de mais gravidade com as redes sociais, com as comunicações com menos contato humano e com o distanciamento social provocado pela pandemia de Covid-19. E, com objetivo de combater esse tipo de comportamento e desenvolver relações de parceria e cooperação, que um grupo de pesquisadores internacionais desenvolve o processo de Comunicação Não-Violenta (CNV). A ideia central é garantir a comunicação eficaz e o exercício da empatia (colocar-se no lugar do outro).

Para muito além do academicismo, meu objetivo aqui é alertar às pessoas para a necessidade de reflexão sobre a forma como se expressam. Você pode demonstrar autoridade e liderança sem necessariamente ser agressivo. Especialmente agora que estamos trancados dentro de casa ou com as relações sociais fragilizadas pela distância. Não podemos esquecer que somos seres humanos. Não somos robôs, programados para fazer as coisas sempre corretas, da mesma forma o tempo todo. Nós erramos. E pior: estamos com medo! Medo de adoecer, medo de morrer, medo de perder o emprego. Medo por nós e pelas pessoas que amamos. E isso tudo nos faz ainda mais frágeis, mesmo que algumas pessoas não demonstrem fraqueza. Por esse motivo, temos que ter cuidado com a forma como pedimos, damos ordens ou reivindicamos as coisas.

E não é um exercício fácil. Eu mesmo consigo refletir sobre vários momentos em minha vida em que me referi de forma violenta às pessoas ao meu redor. E ainda faço, às vezes sem nenhuma intenção de ser agressivo. Peço desculpas a todos por isso. Mas e as pessoas comigo? Elas têm notado que estão sendo violentas? Convido-lhe a fazer um exercício simples: se você precisa de algo com urgência, como você procede? Exige a pressa do outro ou solicita com gentileza no sentido de instigar em quem vai executar a tarefa a real urgência com relação ao assunto? Há um aviso muito comum em repartições públicas que diz: “urgente é tudo aquilo que você não conseguiu fazer em tempo hábil, e quer que eu faça em tempo recorde”. É claro que existem exceções, mas essa frase demonstra o quanto as pessoas pedem favores para outros e se preocupam só consigo mesmas. Seria mais ou menos assim: “resolva meu problema custe o que custar para você e azar o seu”.

Outro dia, precisei mudar uma estratégia de ensino que culminou em retrabalho para alguns alunos. Uma estudante, num tom de revolta, me escreveu para me dizer, entre outras coisas, que eu fosse mais organizado. Meu coração acelerou-se, meu estômago doeu e passei o dia com a consciência pesada por não ter conseguido atendê-la. Logo eu, disponível praticamente 24 horas aos meus alunos. Tenho consciência de que sempre é possível melhorar a didática, a organização. Mas, certamente, os sentimentos teriam sido mais amenos se ela tivesse escrito para me dizer que estava com dificuldade e como eu, professor, poderia ajudá-la a cumprir a tarefa com menos dor. Sinto muito me colocar no lugar de vítima, mas todos somos ora agressores, ora agredidos. Temos que ser vigilantes para que de oprimidos não nos tornemos opressores, como bem observou o grande educador Paulo Freire.


(*) Breno Eustáquio é professor universitário

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