Desde 1984
José Sana
04 de Outubro de 2019
A imprensa capacha quer acabar com o jornalismo
Antigamente era assim: eu acordava bem cedinho e corria para ler as notícias quentes. Se não encontrasse o jornal, nem debaixo da porta nem na caixa de correio, ligava o computador e ia em perseguição ao noticiário dos jornais pela internet. Contentava-me com o que ouvia e lia e dava fé, segundo os escrivães do registro civil.
Hoje é assim: o despertar não me traz a mínima curiosidade. Já sei como se esparramam as manchetes estapafúrdias e os textos esdrúxulos pelas páginas nocivas, que apelam ao desespero de causa. A chamada “grande imprensa”, cada vez menos vista e ouvida, tem, no mínimo, uma vítima que é alvo da bizarrice, por exemplo, o governo. Do outro lado, também existem os “chapas-brancas”, aqueles que exageram no estilo puxa-saco. É preciso também que sofram expulsão radical do espaço.
Conclusão: quase toda a chamada imprensa nacional está nos quarenta e quatro minutos da etapa derradeira, e perde de goleada. A prorrogação que vem a seguir, candidata-se a ser testemunha do fim do jornalismo. Urge que os intelectuais deixem de ser passivos ou negativos, já que os analfabetos se contentam com misérias e estão alijados do processo de avaliação.
Certa vez, quando fui trabalhar no Diário de Minas, nos idos de 1960, seu redator-chefe, Maurílio Brandão, me disse: “Cuidado com os adjetivos o jornal não tem lado e nunca poderá ter”. Anotei, mas mesmo assim fui admoestado veementemente pelo diretor de polícia, quando cognominei “monstro” um ser vivente que estuprou, matou e esquartejou uma criança. Aprendi. É provável que tenha errado eventualmente também em outras questões no decorrer da vida profissional, mas sempre procurei corrigir. Não estou em julgamento, mas reconheço hoje certos deslizes passados. Textos assinados, não, esses permitem ao autor liberdade de uso e abuso. Por isso são selecionados.
Ricardo Noblat, jornalista e escritor, escreveu na contracapa de seu livro “O que é ser jornalista” (Editora Record: RJ/SP, 2004, 270 p.) a seguinte frase: “Quem desejar levar a sério o jornalismo há de se tornar refém de suas leis universais, até certo ponto, desumanas”.
Apesar de condenar a adjetivação de personagens e fatos, a meta da imparcialidade continua e continuou sendo pelo menos uma miragem, apesar de achincalhada ultimamente. Enchem a imprensa de adjetivos a ponto de torná-la uma fantasia. Mauro Santayana, jornalista, que atuou na BBC de Londres e hoje milita em Brasília, disse-me, no tempo do Diário de Minas: “A imparcialidade não existe na imprensa é extinta quando as pautas são escolhidas”. Mas ele admite que é necessário um tom de respeito pelo menos próximo do pensamento lógico.
Neste momento, dezenas de manchetes e reportagens estão sendo impressas por equipes dos chamados “grandes jornais”. Centenas de temas interessantes vão para o caixote de lixo porque não se enquadram no espírito da “nova linha editorial” dos chefões que querem, por exemplo, levar à forca vítimas que não lhes concedam benesses.
Em contraposição ao desacato ao leitor, a confiabilidade cristalina e intocável dos velhos tempos, em parte, apresenta-se em forma de resistência nos primeiros sobreviventes das arapucas do noticiário. É essa barricada protetora dos guerreiros que deve se defender, abrindo os olhos dos demais, os infelizes incautos, que precisam inteirar-se também de que são vítimas de uma corja que, por incrível pareça, ainda se denomina “formadora de opinião”. Mais abuso
É passada a hora de todos, juntos, reagirmos numa só voz e gritamos em alto e bom tom: “Cambada de capachos, chega de estuprar a nossa inteligência”

() José Sana é jornalista e professor
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