Desde 1984
José Sana
23 de Agosto de 2019
Alerta itabirano
Meus 53 anos de Itabira permitem-me sacramentar, assinar e reconhecer firma em cartório: sou mais itabirano que muitos nativos aqui estabelecidos. Nem que seja mumificado conseguirão desmoronar este epitáfio: “Vivi mais tempo em Itabira, que amei como a verdadeira terra natal”. Aqui fui funcionário da velha CVRD e empresário. Agora sou aposentado à procura do que fazer.
Começo assim, sintetizando a vida itabirana: em 1910, uma conferência sobre minerais em Estocolmo (Suécia) tornou esta informação a mais importante do conclave: a maior concentração de minério de teor ferrífero do mundo está localizada numa cidadezinha qualquer chamada Itabira do Mato Dentro, Minas, Brasil.
Dezenas de historiadores confirmaram que os compradores de terra valiosíssima vieram do exterior. Clóvis Alvim (1980) escreveu: “Os ingleses e americanos interessaram-se vivamente pelo assunto. E trataram logo de organizar companhias para a exploração do minério, adquirindo dos incautos itabiranos largos tratos de terra, por algumas magras patacas”. Aqui foi fincada a Itabira Iron Ore Company.
Também Drummond deu uma de suas cutucadas em “Itabira” (1930):
Cada um de nós tem seu/ Pedaço no Pico do Cauê./Na cidade toda de ferro./ As ferraduras batem como sinos./Os meninos seguem para a escola./ Os homens olham para o chão/ Os ingleses compram a mina./Só, na porta da venda, Tutu Caramujo/ cisma na derrota incomparável.
A história, às vezes, se repete, mesmo que soando em outras tonalidades. Agora, depois de dois séculos de ilusões e sonhos, chegam os chineses aqui para ver se concedem um empréstimo de dólares ao município (não se sabe ao certo se 100 ou 200 milhões), que seriam destinados à efetivação de um Parque Tecnológico, construção de um aeroporto industrial e conclusão de obras da Unifei. Dependendo de aval do governo federal e do senado para que esses dólares sejam creditados à prefeitura, vindo das sobras merrecas de Xi Jinging, parece que voltamos ao início do século XX, quando os ideais nacionalistas tentaram mas não impediram que o empreendedor inglês, Percival Facquar, astuto por sinal, se apoderasse das minas Cauê e Conceição, nossos filés mignons. O nacionalismo foi salvo temporariamente pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), que entrou em cena na década de 1940.
Mas aí as qualidades e/ou defeitos dos itabiranos vieram à tona. Devagar, voado, distraído, panaca, lerdo, desanimado, pessimista, babaca — são expressões contidas em TCCs, artigos de Pós, Mestrados e Doutorados. Esses adjetivos, incluindo o fatal “preguiçoso”, podem ser vistos em pesquisas de historiadores, os quais divulguei em 19 capítulos no site www.noticiaseca.com.br.
De que precisamos? Fácil entender: dinamismo, empreendedorismo, coragem, idealismo, otimismo, capacidade técnica, vontade, determinação, honestidade. Ou seja, quase tudo que não tivemos no decorrer de dois séculos, sustentados por uma riqueza fácil, brotada do chão, que rende royalties. Agora esses seguiriam à penhora. E tem um desafio bem gigante a enfrentar: com a Vale fazendo seus testes simulados de terror e pavor, fábrica de estresse e desordem moral, é uma barreira maior que barragem para atrair investidores a estas terras. Socorro, meu Deus
E agora, José? — repetiria Drummond, mudando os rumos de seus questionamentos, além de ressuscitar Tutu Caramujo que, na visão de muitos, ainda é fantasma resistente. De positivo — e a isto me agarro — há respostas estruturadas no amadurecimento: cansada de apanhar, a cidade pode tomar vergonha na cara. É o que esperamos ansiosamente. A solução, a meu ver, está no acionamento da sociedade civil organizada, mesmo receosa, a esta altura, de que os chineses sejam outros Percivais Facquars como pedras no caminho. Não temos tempo a perder.
É este, então, o meu alerta: acorde Itabira, use a experiência vivida em dois séculos para não perder o trem do futuro.

() José Sana é jornalista e professor
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