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Geral
14 de Janeiro de 2022
Após enchente, desalento e limpeza
João Vitor Simão
Após as chuvas, moradores perderam tudo e ruas ficaram tomadas de entulhos

A região mais atingida pelas chuvas em João Monlevade  dedica-se à limpeza após a pior enchente das últimas décadas. No bairro Amazonas, máquinas, caminhões e operários estão desde terça-feira (11) removendo a lama acumulada nos últimos dias. Enquanto isso, as calçadas da rua Amazonas estavam tomadas pelos objetos inutilizados pela inundação, e que eram retirados de casa pelos moradores. 
A Notícia esteve no local e registrou o drama. Os pertences dos moradores, como móveis, eletrodomésticos, livros, roupas, alimentos, colchões e até portas, tudo foi transformado em lixo. À frente de cada residência, havia uma pilha, que aumentava conforme a limpeza prosseguia. A lama era visível em todo lugar, e na entrada do bairro, ainda havia uma enorme poça da água da enchente. A vizinhança luta contra o tempo e o mau cheiro, evitando que ele se impregne dentro das casas. O odor é forte e impregnante. Muitas das moradias exibiam a marca que a água alcançou: na maioria, ela cobriria um adulto. 
Em toda parte, há a vontade de trabalhar e deixar tudo limpo, misturada ao desalento e à desesperança. Posses obtidas com suor, lembranças de uma vida, tudo coberto pela lama e pela água suja. Livros escolares, bichos de pelúcia, objetos quase novos integram, agora inúteis, as montanhas de entulho. Ali, há histórias de senhores de idade, pessoas doentes, grávidas que contam os dias para o parto. 

Histórias

Dona Maria Luzia da Silva era uma das que limpava sua casa e retirava o que a enxurrada destruiu. Ela relata que perdeu tudo o que possuía, até os alimentos, e que não via uma enchente tão vigorosa desde 1979, quando a água chegou a cobrir as casas. No combate à lama, ela já havia perdido três pares de chinelos, e conta que, em comparação com o Santa Cruz, o bairro Amazonas foi mais severamente castigado. Sem medo de sujar-se ao enfrentar o barro, a senhora arrastava para fora o que restou de um sofá. 
O senhor José Geraldo “Zezé” também diz que a última inundação desse porte no bairro Amazonas havia acontecido em 1979, e mostra que até as portas internas da casa foram transformadas em escombros pela água. Nos anos em que reside no bairro, ele já enfrentou enchentes, mas erguia as suas posses e conseguia salvar a maior parte delas. Agora, ele terá de lutar para reaver tudo o que o alagamento inutilizou.  
Bruno César da Silva, com quem o A Notícia já havia conversado na segunda-feira (9), também limpava sua casa com a esposa. Mesmo tendo 1,83 metro, ele ainda ficaria submerso caso a água estivesse em sua altura máxima e ele permanecesse em casa. No bairro, até a manhã desta quarta-feira, não havia eletricidade. Bruno permanece firme com a ideia de deixar o Amazonas e buscar um outro imóvel, em um local mais seguro. Para isso, ele pretende procurar o banco que financia a sua residência e analisar as possibilidades previstas em contrato. 
Também testemunha das tempestades de 43 anos atrás, dona Maria das Graças dos Santos contava com o filho na tarefa de limpar o imóvel em que mora, e no qual apenas um armário de cozinha conseguiu ser preservado, por haver sido erguido sobre uma mesa. De resto, tudo foi perdido: até um pente, lembrança de infância do agora rapaz, estava em meio à água suja. Para piorar, sua caixa d’água parecia estar vazando. 
Maria ainda pagava móveis comprados após a enchente de 2020. Ela tenta manter-se forte em meio à destruição, mas se emociona ao lembrar da irmã que cuida. Mãe e filho pedem que as autoridades tenham mais carinho com o bairro Amazonas, que consideram esquecido. Para agora, dizem, é necessário enviar caminhões para recolher as montanhas de entulho e carros-pipa para limpar as residências. 

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