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07 de Agosto de 2020
Advogado, que atuou em Monlevade por décadas, morre de Covid e ex-esposa também, seis dias depois
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Wilson Valeriano e Geni da Silva faleceram de Covid19
O jornal Folha de São Paulo, dias atrás, destacou a trajetória do advogado Wilson Valeriano da Silva e da ex-esposa dele, Geni da Silva, que morreram de Covid-19 com apenas seis dias de diferença. Ele trabalhou por décadas em João Monlevade, onde deixou muitos amigos. A história do casal foi contada pelo maior jornal do país, em reportagem especial sobre as vítimas do coronavírus no país que, neste fim de semana, deve chegar às 100 mil mortes.

A Notícia reproduz a seguir:

“Aqueles que perdemos”

Casados por 30 anos, amigos por outros 30, Wilson e Geni se foram juntos

Por Patricia Pasquini

Ao ouvir pela primeira vez a música “A Noite do Meu Bem”, de Dolores Duran, Wilson Valeriano da Silva vinculou os versos à imagem daquela que seria sua companheira e melhor amiga por quase 60 anos, Geni da Silva. Virou a canção dos dois.

Wilson gostava de cantar, inclusive em público; tinha preferência por hinos. Fazia piadas com as pessoas mesmo quando estava triste, pois dizia que um sorriso aformoseia o rosto. Distribuía beijos e abraços, mas também não discriminava lágrimas. Emotivo, permitia-se chorar e ensinou isso aos dois filhos homens. Era inquieto, e os filhos brincavam que ele morava dentro do sapato.

Wilson e Geni nasceram em Galileia, município com cerca de 7.000 habitantes a 380 km de Belo Horizonte. Aos 9 anos, ela foi entregue a outra família, porque a sua não tinha condições de criá-la. Ali ficou Geni até os 18 anos, ajudando no trabalho da casa e no cuidado das crianças. Wilson era funcionário da mercearia da mesma família.

O encontro era inevitável e a paixão foi expressa. Os dois se casaram em dezembro de 1960, contrariando o verso de Dolores que lamentava “o bem [que] demorou a chegar”. Ele tinha só 20 anos e ela, 18. Da união, nasceram cinco filhos.

Wilson e Geni tinham muitos desejos em comum, entre eles, o de estudar e o de deixar a educação como legado aos filhos. Conseguiram.

Wilson se formou em contabilidade e fez graduação em direito. De nove irmãos, foi o único a ter nível superior. Geni cursou o magistério e depois contabilidade — este último para acompanhar o segundo filho, Eli, diagnosticado com esquizofrenia. Realizaram também o sonho de ver os filhos formados.

Eli teve morte precoce, aos 39 anos. Geni sofreu a fase dolorida do luto, mas se reergueu. Reviveu. Segundo o filho Stanley Valeriano da Silva, 45, que é procurador da República, ela entrou em grupos de terceira idade e colocou em prática seu olhar curioso para o novo. Escreveu crônicas, poemas e até letras de rap. Voltou a ser jovem. Virou expert em palavras cruzadas.

O casamento de Wilson e Geni durou 30 anos, mas os dois continuaram amigos e companheiros por outros quase 30. Já em cidades diferentes —Geni em Ipatinga e Wilson em João Monlevade, ambas em MG—, o casal reinventou a relação. Ele ia com frequência à casa dela, viajavam juntos para visitar os filhos. O amor virou amizade.

No dia 5 de junho, Wilson foi pessoalmente abraçar a ex-esposa pelo aniversário. Sentiu-se mal. Desconhecia que havia contraído Covid-19. Foi acolhido e cuidado por Geni, que também pegou a doença.

Despediram-se discretamente da vida juntos. Wilson no dia 16 de julho, aos 80, e Geni, 78, seis dias depois. Deixam quatro filhos, seis netos e um bisneto.

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